Editorial
A fome é assunto que se repete
No último domingo, milhões de pessoas que estavam em casa, descansando para retomar uma semana de trabalho ou estudos, sentiram o incômodo constrangimento de estar diante do retrato de uma realidade nacional que parece imutável. No horário do jantar, o programa Fantástico, da TV Globo, exibiu longa reportagem do repórter Marcelo Canellas sobre a fome no Brasil. Visitando diferentes lugares – especialmente nas regiões Nordeste e Sudeste –, o jornalista mostrou a tragédia humanitária existente no País. Em alguns dos locais, inclusive, Canellas já estivera há 20 anos mostrando situação semelhante. Algo no nível de imagens e relatos típicos dos pontos mais miseráveis e conflagrados do planeta.
Que há pobreza e fome no Brasil não é notícia surpreendente. Lamentavelmente. Contudo, essa constatação não pode ser normalizada. Não pode ser aceitável ou tornar-se paisagem aos olhos de quem tem o privilégio de contar com lar digno e alimento na mesa diariamente e em todas as refeições. E é aí que reside o papel de organizações sociais, de entidades que se dedicam a atender essa população em vulnerabilidade e, também, da imprensa. Ao jogar luz no problema, o objetivo é exatamente provocar o desconforto geral na sociedade - e principalmente nos governos - com relação à urgência de enfrentar essa chaga.
Ainda que a reportagem de TV citada apresente personagens de regiões distantes do Rio Grande do Sul e da Zona Sul do Estado, por aqui o drama é similar. E aparece com frequência nas páginas do DP que mostram a dificuldade de quem tem dinheiro insuficiente sequer para ter gás no fogão, ou que mal consegue ter comida nos armários ou, como repercutido a partir de pesquisa da UCPel na semana passada, vive em insegurança alimentar, caso de um terço das mães e bebês pelotenses.
Conforme o mais recente Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), o RS é o estado em pior situação no Sul do País quando se fala em fome: 14,1% dos lares com pessoas vivendo em insegurança alimentar grave, ante 8,6% do Paraná e 4,6% de Santa Catarina. Se considerado o nível moderado, 25,4% dos gaúchos enfrentam a falta de alimento (um em cada quatro cidadãos).
A fome pode ser assunto incômodo, as imagens e os relatos podem indignar. Mas isso só ocorre porque o tema não provoca a mesma reação de indignação em quem tem a responsabilidade de enfrentar o problema enquanto autoridades públicas. Não fosse esse comodismo – ou descaso – o Brasil já teria virado essa página e poderíamos investir energia em outros desafios. Por enquanto, comida na mesa de todos é o que deve reunir os maiores esforços.
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